O acesso à informação é um dos maiores entraves à efetivação da democracia em nosso mundo. Particularmente se pensamos em termos nacionais - vide nossos infinitos brasis -, e mesmo em nível mundial.
Uma pálida amostra disso recentemente aconteceu há pouco quando por volta do dia 25/05 o Blog da USP (de onde tenho tirado boa parte das entrevistas e matérias dos meus últimos posts), outrora situado no site Terra, teve de ser alocado em outro servidor. Não julgo provável que tal fato tenha ocorrido ao acaso simplesmente, embora tenda a rejeitar 'teorias conspiratórias'. De qualquer modo, sabemos que quanto maior o número de opiniões sobre um fato - no caso, sobre a ocupação - maior será nossa liberdade para julgar e avaliar com maior sensatez a legitimidade do possível ressurgimento do movimento estudantil e dos fatores estruturais que motivaram esta ocupação.
Considerando, portanto, o acesso permanente à informação como condição inalienável de garantia soberania dos povos e à sua cidadania, decidi por bem disponibilizar uma análise do Prof. Milton Santos, mestre a quem devemos muito e que muita falta faz nesses dias em que a vocação totalitária tem feito escola e discípulos fervorosos - convictos do individualismo liberal e obscurantismo político mundial - sem que até o momento tenha sido combatido por uma oposição engajada nos valores da coletividade, seja de modo ideológico ou não. O mais importante nesse delicado momento pelo qual passamos é deixar algumas divergências menores de lado e nos unirmos em prol de um interesse maior: o do coletivo. Ninguém é vanguarda de ninguém! "Somos todos iguais, braços dados ou não", porém de braços cruzados e desunidos não cessaremos de colecionar derrotas em nome do individualismo. Enquanto dormimos o inimigo está bem acordado......
Por Milton Santos
A toda a comunidade mundial
“Opor à crença de que se é pequeno, diante da enormidade do processo globalitário, a certeza de que podemos produzir as idéias que permitem mudar o mundo”.
"Evocamos aqui, um de nossos maiores pensadores, Milton Santos, geógrafo, professor emérito da Universidade de São Paulo e autor de mais de 40 livros, publicados em diversos países. Em 1994, recebeu o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud. Lecionou também em importantes universidades no exterior. Nasceu na cidade de Brotas de Macaúbas (BA), em 1926 e faleceu em junho de 2001, em São Paulo.
Seguem trechos do livro Território e Sociedade entrevista com Milton Santos, publicado pela Editora Fundação Perseu Abramo. Utilizou-se a segunda edição, novembro de 2000.
José Corrêa – Professor, grande parte de sua obra recente é dedicada à análise da globalização. Como o senhor caracteriza esse processo?
Milton Santos – A globalização conseguiu materializar a metafísica, mediante o papel desempenhado pela ciência e pela técnica na produção das coisas. Há uma materialização física e uma realização primitiva, embora sofisticada, da ideologia. Tudo é ideológico. Estamos dentro de um mar de ideologias. Tudo é produzido a partir de uma ideologia, mas as coisas não aparecem como tal. Somos cercados por coisas que são ideologia, mas que nos dizem ser a realidade. Isso nos constrange, porque forma um sistema muito forte; e qualquer discussão que indique ser aquilo ideológico é desqualificada.
José Corrêa – O senhor caracteriza a globalização como globalitarismo. Por que essa associação de globalização e totalitarismo?
Milton Santos – Estou querendo chamar a atenção para o fato de que a atual globalização exclui a democracia. A globalização é, ela própria, um sistema totalitário. Estamos em um mundo que nos reclama obediência. Uma frase que se ouve com grande freqüência, quando reclamos algo, é: “O senhor é o primeiro a reclamar”. Vocês nunca ouviram isso? Há um totalitarismo na vida cotidiana, que inclui o trabalho intelectual. Não é só no trabalho não intelectual, não é só na fábrica, que o totalitarismo está presente. Também no chamado setor de serviços. E a universidade é o exemplo formidável desse totalitarismo. Todos os dias somos solicitados a cumprir regulamentos, as normas... Mas é exatamente a norma que se opõe à essência do trabalho intelectual. Sem contar que rompe com a liberdade de o professor decidir o que é mais conveniente ao seu magistério. E tem-se isso a cada momento, em tudo. Há, portanto, um novo totalitarismo que, todavia, se apresenta como um convite a fazer as coisas bem-feitas, ordenadas. É um ritmo infernal que se impõe.
Olhem o que se passa na política. No caso do Brasil, por exemplo, o discurso do chefe da nação, por ser da nação, deveria ser pedagógico. E, no entanto, o nosso chefe da nação diz que todos os que não pensam como ele são canalhas, burros, estúpidos, vagabundos, não admite nenhuma discrepância com o que ele próprio pensa. É a eliminação do debate. O pensamento único é a prática da política e da convivência coletiva marcada por esse “faça assim, faça de tal forma, senão está tudo errado”. É a consideração simplória da técnica como absoluto, como norma – o que é próprio do nosso tempo - , levando à propensão de utilizar um mandamento técnico como se fosse um mandamento político, cultural, moral, religioso. É o fim da crítica e da autocrítica.
Odette Seabra – O que conduz a este ritmo? O que torna este movimento hegemônico? O que faz com que todo o mundo caminhe na mesma direção? Porque, aparentemente, quando se pergunta sobre globalização ao ministro da Fazenda, ele fala de mercado de capitais; quando perguntamos ao cientista, ele fala da ciência e da técnica; quando perguntamos a um empresário, ele reclama da concorrência e das entradas sutis, às vezes nem tanto, das multinacionais...
Milton Santos – Acho que o que conduz a esse ritmo hegemônico é a idéia de competitividade, que é diferente da competição capitalista, e que só se tornou possível nesta época, não era possível antes. Então ainda não se conhecia o mundo direito, não tínhamos o domínio da velocidade e os mercados eram relativamente regulados pela política nacional. A competitividade impõe o reino do fugaz, cria uma tensão permanente, que leva a esse atordoamento geral em que vivemos. Essa competitividade, possibilitada pelas atuais condições objetivas, é resultado da perversidade da globalização, e a única solução que parece viável é ir remando também. Quando um jovem opta pela competitividade como norma de vida é sociologicamente possível compreender, porque isso lhe aparece como a única defesa possível num mundo que não é nada generoso. É preciso mostrar-lhe que há outros caminhos, ainda que difíceis ou pouco conhecidos.
Mônica de Carvalho – Esse ritmo que nos é imposto pela competitividade acaba promovendo uma enorme ignorância que, por sua vez, acaba favorecendo a submissão àquelas normas que também nos são impostas. A velocidade com que as coisas se transformam, com que as normas se modificam, parece tornar as pessoas cada vez mais ignorantes, porque se sentem inseguras, desprovidas de referenciais...
Milton Santos – Quando o Ministério da Educação, no final de 1999, indicou as linhas mestras do novo ensino técnico, praticamente suprimiu o ensino de humanidades. Dessa forma, criaremos robôs, não propriamente cidadãos pensantes. E eu não vi reação. E por que nós não reagimos?"
Quero pensa sobre o porquê...........
“Opor à crença de que se é pequeno, diante da enormidade do processo globalitário, a certeza de que podemos produzir as idéias que permitem mudar o mundo”.
"Evocamos aqui, um de nossos maiores pensadores, Milton Santos, geógrafo, professor emérito da Universidade de São Paulo e autor de mais de 40 livros, publicados em diversos países. Em 1994, recebeu o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud. Lecionou também em importantes universidades no exterior. Nasceu na cidade de Brotas de Macaúbas (BA), em 1926 e faleceu em junho de 2001, em São Paulo.
Seguem trechos do livro Território e Sociedade entrevista com Milton Santos, publicado pela Editora Fundação Perseu Abramo. Utilizou-se a segunda edição, novembro de 2000.
José Corrêa – Professor, grande parte de sua obra recente é dedicada à análise da globalização. Como o senhor caracteriza esse processo?
Milton Santos – A globalização conseguiu materializar a metafísica, mediante o papel desempenhado pela ciência e pela técnica na produção das coisas. Há uma materialização física e uma realização primitiva, embora sofisticada, da ideologia. Tudo é ideológico. Estamos dentro de um mar de ideologias. Tudo é produzido a partir de uma ideologia, mas as coisas não aparecem como tal. Somos cercados por coisas que são ideologia, mas que nos dizem ser a realidade. Isso nos constrange, porque forma um sistema muito forte; e qualquer discussão que indique ser aquilo ideológico é desqualificada.
José Corrêa – O senhor caracteriza a globalização como globalitarismo. Por que essa associação de globalização e totalitarismo?
Milton Santos – Estou querendo chamar a atenção para o fato de que a atual globalização exclui a democracia. A globalização é, ela própria, um sistema totalitário. Estamos em um mundo que nos reclama obediência. Uma frase que se ouve com grande freqüência, quando reclamos algo, é: “O senhor é o primeiro a reclamar”. Vocês nunca ouviram isso? Há um totalitarismo na vida cotidiana, que inclui o trabalho intelectual. Não é só no trabalho não intelectual, não é só na fábrica, que o totalitarismo está presente. Também no chamado setor de serviços. E a universidade é o exemplo formidável desse totalitarismo. Todos os dias somos solicitados a cumprir regulamentos, as normas... Mas é exatamente a norma que se opõe à essência do trabalho intelectual. Sem contar que rompe com a liberdade de o professor decidir o que é mais conveniente ao seu magistério. E tem-se isso a cada momento, em tudo. Há, portanto, um novo totalitarismo que, todavia, se apresenta como um convite a fazer as coisas bem-feitas, ordenadas. É um ritmo infernal que se impõe.
Olhem o que se passa na política. No caso do Brasil, por exemplo, o discurso do chefe da nação, por ser da nação, deveria ser pedagógico. E, no entanto, o nosso chefe da nação diz que todos os que não pensam como ele são canalhas, burros, estúpidos, vagabundos, não admite nenhuma discrepância com o que ele próprio pensa. É a eliminação do debate. O pensamento único é a prática da política e da convivência coletiva marcada por esse “faça assim, faça de tal forma, senão está tudo errado”. É a consideração simplória da técnica como absoluto, como norma – o que é próprio do nosso tempo - , levando à propensão de utilizar um mandamento técnico como se fosse um mandamento político, cultural, moral, religioso. É o fim da crítica e da autocrítica.
Odette Seabra – O que conduz a este ritmo? O que torna este movimento hegemônico? O que faz com que todo o mundo caminhe na mesma direção? Porque, aparentemente, quando se pergunta sobre globalização ao ministro da Fazenda, ele fala de mercado de capitais; quando perguntamos ao cientista, ele fala da ciência e da técnica; quando perguntamos a um empresário, ele reclama da concorrência e das entradas sutis, às vezes nem tanto, das multinacionais...
Milton Santos – Acho que o que conduz a esse ritmo hegemônico é a idéia de competitividade, que é diferente da competição capitalista, e que só se tornou possível nesta época, não era possível antes. Então ainda não se conhecia o mundo direito, não tínhamos o domínio da velocidade e os mercados eram relativamente regulados pela política nacional. A competitividade impõe o reino do fugaz, cria uma tensão permanente, que leva a esse atordoamento geral em que vivemos. Essa competitividade, possibilitada pelas atuais condições objetivas, é resultado da perversidade da globalização, e a única solução que parece viável é ir remando também. Quando um jovem opta pela competitividade como norma de vida é sociologicamente possível compreender, porque isso lhe aparece como a única defesa possível num mundo que não é nada generoso. É preciso mostrar-lhe que há outros caminhos, ainda que difíceis ou pouco conhecidos.
Mônica de Carvalho – Esse ritmo que nos é imposto pela competitividade acaba promovendo uma enorme ignorância que, por sua vez, acaba favorecendo a submissão àquelas normas que também nos são impostas. A velocidade com que as coisas se transformam, com que as normas se modificam, parece tornar as pessoas cada vez mais ignorantes, porque se sentem inseguras, desprovidas de referenciais...
Milton Santos – Quando o Ministério da Educação, no final de 1999, indicou as linhas mestras do novo ensino técnico, praticamente suprimiu o ensino de humanidades. Dessa forma, criaremos robôs, não propriamente cidadãos pensantes. E eu não vi reação. E por que nós não reagimos?"
Quero pensa sobre o porquê...........
Um comentário:
E eu tb quero pensar sobre o porquê.
olha Gui... vivemos nesse país difícil, onde o estudo das ciências humanas é super desvalorizado e o que é o pior: o trabalho técnico tb é. Não estou pensando sob a ótica de estudante de história (aliás, estou sim). Mas quem se deu mal nessa foram aqueles que buscam sua vocação no trabalho braçal. Por que não usar esse termo tão desvalorizado?
Somos (alguns não são) uns doutorizantes pensadores, que apenas vislumbram a saída através do estudo cintífico, dando ilegitimidade aos nossos "operários em construção"!!
E assim, fabricaremos robôs não apenas pq filósofos, sociólogos e historiadores aqui no Brasil são uns coitados. Mas tb pq não queremos que o operariado pense.
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