quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O Jardim e o Olhar, por Caio

"Nada havia mudado no Jardim. Não houve uma catástrofe e nem um chacoalhar de árvores. Os frutos não caíram, e não houve uma revoada louca de pássaros ou gemidos angustiosos de animais. Tudo ficou como era antes; talvez um pouco mais silencioso apenas.
Nada havia mudando no Jardim, mas, para Adão e sua mulher, o Jardim já era outro.
Mudou o olhar de Adão, e, com isso, desfigurou-se o Jardim!
Adão já não via a harmonia exterior, pois, agora, somente tinha olhos para o caos que se instalara dentro dele.
Abrira-as nele um abismo interior, e, assim, tudo o que ele conseguia ver era denso de trevas abissais.
O que antes era normal na natureza agora se tornara perigo, ameaça e morte. Adão perdera o olhar do Jardim.
Antes Adão via o Jardim. Agora ele via apenas a natureza a ser conquistada, e com muito medo.
Nada havia mudado no Jardim, mas o coração do homem agora carregava uma imensa e invisível plantação de cardos e abrolhos.
Nada havia mudado no Jardim, porém Adão agora via tudo com o olhar da culpa e da vergonha.
Nada havia mudado no Jardim, embora Adão sentisse uma vontade compulsiva de esconder-se de Deus.
Sim! Quando o coração do homem muda para o mal, até o Éden deixa de ser enxergado na Terra.
Assim, não se vê mais o Éden na Terra; pois o Éden não era apenas um lugar na Terra, visto que era apenas a fonte de harmonia que antes se irradiava por toda a Terra.
Não se vê mais o Éden na Terra apenas porque o Éden é uma categoria do olhar humano, e não há mais Éden algum dentro do homem.
A Terra se tornou do lado de fora aquilo que ela é para nós do lado de dentro: o campo de batalha da morte e da vaidade dos desejos egoístas.
E não houve um Éden no tempo-espaço?
Claro que houve. Ele, porém, só é visto fora se existir primeiro dentro de nós!
Enquanto isso o querubim impede a chegada até a Árvore da Vida, pois, a culpa do homem o faria comer desse outro fruto e, assim, eternizar o seu olhar do Éden como conquista do Paraíso sem Deus.
Ora, isto e muito mais!..."

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