quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Vão-se os [nossos] dedos, ficam os anéis [deles]

Mais uma vez assistimos a uma crise de âmbito mundial. Mais uma vez vemos que na hora de lucrar, poucos são chamados. Mas na hora de dividir prejuízos, aí sim, dizem sem pudor, que cada um de nós, pelo bem da coletividade deve dar seu quinhão, contribuindo para a melhorar o mundo!

Reproduzo aqui um artigo bem escrito e esclarecedor desse discurso que não tardará a aparecer nas mídias convencionais como a salvação da pátria. Veladamente, é claro. Ei-lo:

"De onde sairá o dinheiro para salvar os ricos e os bancos? - 10/10/2008

Uma das questões que mais chama a atenção dos cidadãos comuns é de onde vai sair ou de onde estão a sair as centenas e centenas de milhares de milhões de dólares que os bancos centrais e o tesouro norte-americano estão a pôr à disposição dos bancos.

Juan Torres López, Esquerda.net, 6 de Outubro de 2008

A pergunta é pertinente porque a magnitude do apoio destinado aos já de si mais ricos do mundo realmente surpreende. E surpreende, sobretudo, se comparada com outras necessidades para as quais nunca há dinheiro.

Segundo as Nações Unidas em cada dia que passa morrem de sede cerca de 5.000 crianças. Para dar água potável a todo o planeta seriam necessários 32 mil milhões de dólares (e impedir a avareza criminosa de algumas das grandes multinacionais, claro está).

No mundo existem 925 milhões de pessoas que passam fome e provavelmente outras tantas severamente desnutridas.

Para acabar com este drama a FAO (organização das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação) afirma que seriam necessários 30 mil milhões de dólares. Isto é, para que ninguém no mundo morresse de fome ou de sede, apenas seria necessário mais ou menos 40% do que o Banco Central Europeu injectou nos mercados só no passado dia 29 de Setembro. É natural que os cidadãos se interroguem sobre este asqueroso e imoral contraste. Que perguntem como é possível que a fome e a sede de 1.000 milhões de pessoas não seja considerada uma crise suficientemente séria para que os bancos garantam o financiamento para a resolver. E, como disse no princípio, que perguntem de onde sai tanto dinheiro à disposição dos ricos.

A resposta a esta última questão é clara e para exemplificá-la referir-me-ei ao caso particular dos Estados Unidos. O dinheiro com que Bush pretende fazer frente à crise financeira terá que sair de três fontes. Conhecendo-as poderemos arriscar também sobre o que vai ocorrer no mundo nos próximos tempos. Vejamos.

Em primeiro lugar, os recursos sairão de um maior endividamento externo da economia norte-americana. Para isso terá que conseguir colocar no exterior títulos da dívida, o que entre outras coisas vai mudar irremediavelmente o mapa político e a partilha do poder no mundo. A China, a Índia e outros países irão tornar-se mais fortes, enquanto que a economia dos Estados Unidos continuará a debilitar-se e a tornar-se mais dependente.

Em segundo lugar, os recursos virão da impressão de mais dólares. Isto é algo que já está a suceder, de forma premeditada, ainda que não se fale muito disso. Em Dezembro de 2005, a Reserva Federal (banco central dos EUA) decidiu que a partir de Março de 2006 deixaria de publicar o agregado monetário que os economistas chamam M3 (a quantidade de dólares que circula em forma de notas, moedas e depósitos à ordem). Não é preciso ser um lince para prever o que havia por detrás desta decisão: um crescimento vertiginoso da quantidade dólares m circulação. Estimativas não oficiais apontam que M3 passou do valor de cerca de 7% do PIB dos Estados Unidos em Junho de 2006 para 18% em Fevereiro de 2008 (desde então começou a desmoronar-se até ao nível mais baixo alcançado desde 1959, mas como consequência da retirada de liquidez bancária que produziu a crise). Para que esta fonte de obtenção de recursos seja viável, os Estados Unidos terão de recorrer ao seu poder imperial para colocar no mundo uma moeda cada vez mais depreciada e menos valiosa. A consequência mais que previsível não é muito agradável: aumentará a sua presença militar e tratará de provocar focos de instabilidade que justifiquem a sua presença para garantir assim o seu poder como primeira potência mundial.

Finalmente, os recursos provirão dos próprios cidadãos, directamente na forma de impostos ou indirectamente como renúncia a gastos públicos que representam entradas indirectas (como a saúde ou a educação) ou diferidas (como as pensões).

Atrevo-me assim a prever que dentro de pouco tempo começaremos a ouvir o discurso contrário ao que temos ouvido até aqui. Agora voltarão a dizer que os impostos são bons, que todos devem contribuir para conseguir a estabilidade económica e que todos temos de salvar o homem. Já começaram de facto com a vergonhosa cantilena de que para sair desta crise é preciso moderar os salários.

Destas fontes sairá o dinheiro para que os ricos que provocaram a crise com a sua cobiça vergonhosa saião dela incólumes.

Excepto se nós cidadãos nos opusermos e exigirmos soluções mais justas, que não impliquem semelhantes privilégios, que exijam que os responsáveis respondam pela sua culpa e que se devolvam aos cidadãos os recursos que são deles.

Tradução de Carlos Santos"

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