Reproduzo aqui um artigo bem escrito e esclarecedor desse discurso que não tardará a aparecer nas mídias convencionais como a salvação da pátria. Veladamente, é claro. Ei-lo:
"De onde sairá o dinheiro para salvar os ricos e os bancos? - 10/10/2008
Juan Torres López, Esquerda.net, 6 de Outubro de 2008
A pergunta é pertinente porque a magnitude do apoio destinado aos já de si mais ricos do mundo realmente surpreende. E surpreende, sobretudo, se comparada com outras necessidades para as quais nunca há dinheiro.
Segundo as Nações Unidas em cada dia que passa morrem de sede cerca de 5.000 crianças. Para dar água potável a todo o planeta seriam necessários 32 mil milhões de dólares (e impedir a avareza criminosa de algumas das grandes multinacionais, claro está).
No mundo existem 925 milhões de pessoas que passam fome e provavelmente outras tantas severamente desnutridas.
Para acabar com este drama a FAO (organização das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação) afirma que seriam necessários 30 mil milhões de dólares. Isto é, para que ninguém no mundo morresse de fome ou de sede, apenas seria necessário mais ou menos 40% do que o Banco Central Europeu injectou nos mercados só no passado dia 29 de Setembro. É natural que os cidadãos se interroguem sobre este asqueroso e imoral contraste. Que perguntem como é possível que a fome e a sede de 1.000 milhões de pessoas não seja considerada uma crise suficientemente séria para que os bancos garantam o financiamento para a resolver. E, como disse no princípio, que perguntem de onde sai tanto dinheiro à disposição dos ricos.
A resposta a esta última questão é clara e para exemplificá-la referir-me-ei ao caso particular dos Estados Unidos. O dinheiro com que Bush pretende fazer frente à crise financeira terá que sair de três fontes. Conhecendo-as poderemos arriscar também sobre o que vai ocorrer no mundo nos próximos tempos. Vejamos.
Em primeiro lugar, os recursos sairão de um maior endividamento externo da economia norte-americana. Para isso terá que conseguir colocar no exterior títulos da dívida, o que entre outras coisas vai mudar irremediavelmente o mapa político e a partilha do poder no mundo. A China, a Índia e outros países irão tornar-se mais fortes, enquanto que a economia dos Estados Unidos continuará a debilitar-se e a tornar-se mais dependente.
Em segundo lugar, os recursos virão da impressão de mais dólares. Isto é algo que já está a suceder, de forma premeditada, ainda que não se fale muito disso. Em Dezembro de 2005, a Reserva Federal (banco central dos EUA) decidiu que a partir de Março de 2006 deixaria de publicar o agregado monetário que os economistas chamam M3 (a quantidade de dólares que circula em forma de notas, moedas e depósitos à ordem). Não é preciso ser um lince para prever o que havia por detrás desta decisão: um crescimento vertiginoso da quantidade dólares m circulação. Estimativas não oficiais apontam que M3 passou do valor de cerca de 7% do PIB dos Estados Unidos em Junho de 2006 para 18% em Fevereiro de 2008 (desde então começou a desmoronar-se até ao nível mais baixo alcançado desde 1959, mas como consequência da retirada de liquidez bancária que produziu a crise). Para que esta fonte de obtenção de recursos seja viável, os Estados Unidos terão de recorrer ao seu poder imperial para colocar no mundo uma moeda cada vez mais depreciada e menos valiosa. A consequência mais que previsível não é muito agradável: aumentará a sua presença militar e tratará de provocar focos de instabilidade que justifiquem a sua presença para garantir assim o seu poder como primeira potência mundial.
Finalmente, os recursos provirão dos próprios cidadãos, directamente na forma de impostos ou indirectamente como renúncia a gastos públicos que representam entradas indirectas (como a saúde ou a educação) ou diferidas (como as pensões).
Atrevo-me assim a prever que dentro de pouco tempo começaremos a ouvir o discurso contrário ao que temos ouvido até aqui. Agora voltarão a dizer que os impostos são bons, que todos devem contribuir para conseguir a estabilidade económica e que todos temos de salvar o homem. Já começaram de facto com a vergonhosa cantilena de que para sair desta crise é preciso moderar os salários.
Destas fontes sairá o dinheiro para que os ricos que provocaram a crise com a sua cobiça vergonhosa saião dela incólumes.
Excepto se nós cidadãos nos opusermos e exigirmos soluções mais justas, que não impliquem semelhantes privilégios, que exijam que os responsáveis respondam pela sua culpa e que se devolvam aos cidadãos os recursos que são deles.
Tradução de Carlos Santos"
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