Sexta, 28 de novembro de 2008, 08h08
O diabo usa rímel
De São Paulo
Homens do mundo, uni-vos. Nada temos a perder a não ser nossos grilhões e nosso direito sagrado a assistir ao SPORTV até o sofá arrebentar. A hora é chegada. A libertação se avizinha. Todos juntos, agora, dizer não a essa nova forma de opressão pós-stalinista. Todos juntos, ao mesmo tempo e agora, brademos: chega! Basta! Não mais. No more!
Não está na constituição de 88, não está na Declaração dos Direitos do Homem (vejam bem, HOMEM!), em lugar algum está escrito que a gente tem que se submeter do jeito que andamos sendo forçados a, a essa coisa infernal, cruel, desumana e incompreensível, que uns chamam de desejo feminino, mas que deveria ser chamado pelo nome real: tortura. Maldade. Ruindade. Nunca mais!
Desculpem a passionalidade do texto, o desespero no tom, mas acontece que eu sou um homem, heterossexual, encalhado, diante de um dos nossos maiores e piores temores, que é o que fazer para não passar o final de ano sozinho.
E isto significa ter que negociar com o inimigo os termos para uma trégua, que dure ao menos entre o dia 26 de dezembro, após o peru e a família, e o dia 2 ou 3 de janeiro, quando regressamos todos ao aconchego de nosso lar, de nosso emprego, da vida normal, que oculta a nossa envergonhada solidão.
E quem detém a chave, a solução, a fuga? Azar nosso. Elas.
Comecei enviando e-mails desinteressados, perguntando, assim como quem não quer muito nada, se essa garota, que eu conheci em uma vernissage de um artista muito importante, por acaso não estaria livre no final do ano. Ou para essa moça tão talentosa, que encontrei em um aniversário de uma amiga de uma amiga, (encalhados freqüentam aniversários de amigas com o desespero de quem pensa seriamente em saquear um supermercado), e que comentou de passagem não saber se o melhor lugar para um ano novo animado seria o litoral de Santa Catarina, uma pequena praia uruguaia, uma ida ao Rio de Janeiro.
Isso seria um convite? Mandei mail. Não era, claro que não, e nunca seria, mesmo que fosse.
Mulheres pressentem nosso interesse, nossa ansiedade, a milhares de quilômetros de distância. Sacam na hora a nossa aflição, pelo título do e-mail, pelos ferormônios que passaram de nossos dedos para o teclado. E podem estar igualmente solitárias e ansiosas para uma solução para o ano novo que não as transforme na prima, na amiga, naquela garota que veio junto com o grupo que vai se divertir até morrer em um lugar qualquer, pulando ondinhas e bebendo espumante de qualidade duvidosa. Não adianta. Retornam nosso mail dizendo que ainda não sabem, não fazem idéia, nunca pensaram no assunto, o final de ano já está chegando? Mas que loucura, nem tinham percebido.
Não importa que compartilhem de nosso mundo e de nossos anseios. Nunca vão se entregar assim tão facilmente, bem na hora em que percebem que o inimigo está batido e implorando por uma trégua que jamais vão conceder. Vão preferir comer Cheetos e beber Tang com a turma de amigos da irmã que ainda está no ensino médio. Vão preferir ir com mais quatro amigas em um Fiat Mille viajando 600 quilometros até Vitória, areias monazíticas são mesmo o máximo. Vão ficar em casa, curtindo o especial Roberto Carlos, mas não vão com você até um lugar legal, para se conhecerem melhor, estourarem o champanha juntinhos, pular ondas com um braço amigo (bom, também amigo) ao lado. Isso nunca.
Se ao menos fossemos mais fortes e unidos, se assumíssemos de vez o nosso destino em nossas mãos (não é bem isso que estou propondo, por favor). Se apresentássemos todos juntos nossas condições irrevogáveis: "Venham com a gente, vamos diluir nossa condição de forçada individualidade em um melhor aproveitamento de nossa liberdade de adultos, vamos fazer coisas legais que homens e mulheres são biologicamente, socialmente, legalmente, espiritualmente (vai que a moça é católica fervorosa?) capacitados a realizar. Vamos assumir publicamente nosso desejo uns pelos outros, e já que somos classes condenadas ao convívio, vamos escolher coisas melhores do que olhar os fogos de artifício que a prefeitura organiza justamente por conta de nossa falta de alternativas?"
Não sei se pode funcionar, mas venho aqui, publicamente, tentar.
Homens do mundo, que elas chorem a nossa possível falta, e que, ao derreter o rímel, se derretam os corações e sejam elas mesmas a nos ligar, escrever, perguntando o que afinal vamos fazer nesse período tão especial do ano, de nossas vidas?
Vamos começar o nosso movimento nesse instante, agora mesmo, tentando, mesmo que por uns dias, nos tornarmos difíceis e desejados. Vamos ver como elas reagem. Vamos agüentar firmes por umas poucas semanas, enquanto a resistência se esvai, junto com o pancake. Vamos que eu tenho fé, e unidos venceremos. E se não der, vamos unidos combinar um bar para, em pleno final de ano, assistirmos ao SPORTV e celebrarmos a nossa masculinidade, na falta de coisa melhor pra fazer.
Em tempo, com a demonstração de nossa força, será inevitável a vitória e, finalmente, nos uniremos todos, homens e mulheres, em busca de melhores jogos do que este, de vender caro algo que não vale a pena vender, descobrindo finalmente que é melhor se entregar e sermos felizes juntos, em nossa fragilidade assumida.
Sejamos fortes. Resistamos. Nade de receber chamadas, de responder aos e-mails, de criar frases espirituosas no MSN. Resistência, todos juntos! Vamos lá que vai dar! Lembrem das palavras do novo messias e digamos todos juntos, que agora vai: Yes, we can!
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