segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Pés descalços


Cena banal. Nem por isso deixa de me incomodar, sempre.

Um mendigo me abordou visivelmente embriagado. Embriaguês essa que certamente lhe serviria para disfarçar a fome gritante. Me pediu fogo para acender seu amassado cigarro. De antemão achei que ia me pedir dinheiro e já meti a mão no bolso, preparado para a clássica pergunta, no intento de lhe alegrar por uns dois ou três segundos. Não tinha um isqueiro obviamente, porque não fumo. Seguida à minha negativa, o olhar perdido e sem perspectiva de melhora pareciam lhe consumir o desejo. Não o de fumar. Mas o de ser reconhecido como pessoa, após sucessivos e cruéis desvios e negativas a seu primeiro e simplório pedido. Penso que ele queria ser respondido apenas, como qualquer ser humano comum, e que o cigarro e o alcóol seriam apenas meios de se conseguir tal feito. Que grande bola fora! Conseguem normalmente o desrespeito e a alcunha de peso social ou pária, quando não raro os inserem no já extenso rol de vítimas do alcoolismo. Nada além de um fétido incômodo social em forma de homem. Homem, sem dignidade alguma? Ora, sabemos que não é bem isso o que convencionamos a chamar de homem.

A verdade é que a miséria alheia é tão grande que preferimos fechar os olhos a vê-la, encará-la de frente. Por medo, sentimento de absoluta incapacidade, frustração certa fingimos que ela não existe. Até que ela se revolte e nos assalte na esquina próxima.

P.S.: Pensei no quão afortunado era ele, por não ter ainda sido queimado vivo, como outros de sua 'espécie'. Meu Deus, que pessoas formam essa nossa sociedade? Melhor talvez lhe fosse morrer de vez, assim quem sabe sofreria logo tudo, acabando de vez com a agonia. [A nossa?]

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