quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Quando a 'mágica' acaba

Simplesmente genial (porque muitas vezes o genial é o simples que os outros não conseguiram ver... rs) o artigo publicado no sítio da Comunidade do Blog do Luís Nassif.

Enjoy!


Quem acredita no poder da magia das finanças?

“O episódio eufórico é protegido e sustentado pela vontade dos envolvidos, a fim de justificar as circunstâncias que os tornam ricos. E é igualmente protegido pela vontade de ignorar, exorcizar ou condenar aqueles que exprimem dúvidas” – John Kenneth Galbraith (1908-2006).

Há alguns anos trás, John Kenneth Galbraith escreveu: “Em Wall Street, como em toda parte, há uma fé profunda no poder da magia. A magia preventiva requeria que um importante número de pessoas repetisse com o máximo de firmeza que isso [a queda do mercado] não aconteceria”. O livro ‘1929: o colapso da bolsa’, originalmente publicado em 1955, se tornaria um clássico.

Não há dúvidas quanto ao fato do momento presente ser outro. No entanto, a clássica descrição de Galbraith merece ser revisitada. O “apoio organizado”, por exemplo, captura o quadro da recente concertação em torno da redução das taxas básicas de juros realizada por vinte bancos centrais. Segundo Galbraith, “apoio organizado significava que os homens poderosos se organizariam para manter os preços dos valores em níveis razoáveis”. Irving Fisher, professor e especulador, declarou na época que a queda do mercado traduzia apenas a eliminação dos irracionais. Mesmo assim, o pânico não cederia.

Uma onda de fusões ocorreu na década de 1920. Cada nova fusão demandou, invariavelmente, algum novo capital e novas emissões de títulos. Tratou-se também de uma época de consolidação. Entre as motivações, destaca-se a eliminação ou regularização da concorrência. Thorstein Bunde Veblen (1857-1929) havia identificado tal tendência quando analisou a sabotagem que os capitães de indústrias e finanças operavam para manter os lucros estavelmente elevados pela via da regulação do output para impedir que a oferta ultrapassasse gradualmente a demanda.

À análise crítica de Galbraith não escapou o fato de que se há alguma diferença entre o oráculo caldeu e um economista moderno ela se deve ao “detalhe” de que as previsões de chuva ou seca do caldeu não influíam no clima. Os rumos da economia dependem, cada vez mais, das previsões dos tomadores de decisão. Conforme alertou a UNCTAD, em seu TDR 2008, as estratégias dos bancos comerciais e das outras instituições financeiras influenciam a concessão do crédito e a alocação de recursos na economia. A crítica de Galbraith encontra-se em consonância com os movimentos atuais da Casa Branca, incluindo o Federal Reserve System, e os bancos centrais do Primeiro Mundo. Quanto ao fim da magia, Galbraith afirmou: “o milagre da alavancagem permitia realizar essa operação relativamente sem custos ao homem situado no final de toda a cadeia de grupos”. O socorro de instituições financeiras integra esse imbróglio sociológico. O “incesto fiscal” no âmbito das grandes corporações mostrou-se um instrumento de estímulo da alavancagem.

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“De todos os mistérios da Bolsa de Valores nenhum é tão impenetrável quanto a razão de sempre haver um comprador para cada vendedor. Ninguém sabia, mas nunca é demais ressaltar, que para a eficácia da magia o conhecimento não é nem necessário nem presumido. Um banqueiro não precisa ser popular; de fato, um bom banqueiro em uma sociedade capitalista coerente deve, provavelmente, ser objeto da reprovação geral. As pessoas não desejam confiar seu dinheiro a um cidadão complacente, mas a um misantropo que pode dizer não. Entretanto, um banqueiro não deve parecer fútil, ineficaz ou vagamente tolo” – J. K. Galbraith.
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Não se pode dizer que a disciplina de mercado mostrou-se capaz de monitorar os abusos do sistema. Onde estariam as virtudes da auto-regulação do mercado no momento em que elas são mais necessárias? Pois bem, essa ainda é uma questão atual. A crise de 1929 testemunhou uma queda do prestígio dos banqueiros. Longe de ajudar a estabilizar o mercado, o pool de banqueiros de então estava buscando se livrar do papelório.

Em quais textos os teóricos do equilíbrio involuntário descrevem o fenômeno recorrente da privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos numa economia de mercado? Não há sociedade sem poder e compulsão, tampouco um mundo onde a força, incluindo a persuasão do condicionamento no campo intelectual, não tenha qualquer função.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A Queda do Muro de Manhattan, ou Cassino global em apuros


O abalo dos muros - por Frei Betto

Em 2009 faz 20 anos a queda do Muro de Berlim, símbolo da bipolaridade do mundo dividido em dois sistemas: capitalista e socialista. Agora, assistimos ao declínio de Wall Street (Rua do Muro), na qual se concentram as sedes dos maiores bancos e instituições financeiras.
O muro que dá nome à rua de Nova York foi erguido pelos holandeses em 1652 e derrubado pelos ingleses em 1699. New Amsterdam deu lugar a New York.
O apocalipse ideológico no leste europeu, jamais previsto por qualquer analista, fortaleceu a idéia de que fora do capitalismo não há salvação. Agora, a crise do sistema financeiro derruba o dogma da imaculada concepção do livre mercado como única panacéia para o bom andamento da economia.
Ainda não é o fim do capitalismo, mas talvez seja a agonia do caráter neoliberal que hipertrofiou o sistema financeiro. Acumular fortunas tornou-se mais importante que produzir bens e serviços. A bolha especulativa inflou e, de súbito, estourou.
Repete-se, contudo, a velha receita: após privatizar os ganhos, o sistema socializa os prejuízos. Desmorona a cantilena do "menos Estado e mais iniciativa privada". Na hora da crise, apela-se ao Estado como bóia de salvamento na forma de US$ 700 bilhões (5% do PIB dos EUA ou o custo de todo o petróleo consumido em um ano naquele país) a serem injetados para anabolizar o sistema financeiro.
O programa Bolsa Fartura de Bush reúne quantia suficiente para erradicar a fome no mundo. Mas quem se preocupa com os pobres? Devido ao aumento dos preços dos alimentos, nos últimos dozes meses o número de famintos crônicos subiu de 854 milhões para 950 milhões segundo Jacques Diouf, diretor-geral da FAO.
Quem pagará a fatura do Proer usamericano? A resposta é óbvia: o contribuinte. Prevê-se o desemprego imediato de 11 milhões de pessoas vinculadas ao mercado de capitais e à construção civil. Os fundos de pensão, descapitalizados, não terão como honrar os direitos de milhões de aposentados, sobretudo de quem investiu em previdência privada.
A restrição do crédito tende a inibir a produção e o consumo. Os bancos de investimentos põem as barbas de molho. Os impostos sofrerão aumentos. O mercado ficará sob regime de liberdade vigiada: vale agora o modelo chinês de controle político da economia, e não mais o controle da política pela economia, como ocorre no neoliberalismo.
Em 1967, J.K. Galbraith chamava a atenção para a crise do caráter industrial do capitalismo. Nomes como Ford, Rockefeller, Carnegie ou Guggenheim, exemplos de empreendedores, desapareciam do cenário econômico para dar lugar à ampla rede de acionistas anônimos. O valor da empresa deslocava-se do parque industrial para a Bolsa de Valores.
Na década seguinte, Daniel Bell alertaria para a íntima associação entre informação e especulação, apontando as contradições culturais do capitalismo: o ascetismo (acumulação) em choque com o estímulo consumista; os valores da modernidade destronados pelo caráter iconoclasta das inovações científicas e tecnológicas; lei e ética em antagonismo quanto mais o mercado se arvora em árbitro das relações econômicas e sociais.
Se a queda do Muro de Berlim trouxe ao leste europeu mais liberdade e menos justiça, introduzindo desigualdades gritantes, o abalo de Wall Street obriga o capitalismo a se repensar. O cassino global torna o mundo mais feliz? Óbvio que não. O fracasso do socialismo real significa vitória do capitalismo virtual (real para apenas um terço da humanidade)? Também não.
Não se mede o fracasso do capitalismo por suas crises financeiras, mas sim pela exclusão - de acesso a bens essenciais de consumo e direitos de cidadania, como alimentação, saúde e educação - de dois terços da humanidade. São 4 bilhões de pessoas que, segundo a ONU, vivem entre a miséria e a pobreza, com renda diária inferior a US$ 3.
Há sim que buscar, com urgência, um outro mundo possível, economicamente justo, politicamente democrático e ecologicamente sustentável.

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Vão-se os [nossos] dedos, ficam os anéis [deles]

Mais uma vez assistimos a uma crise de âmbito mundial. Mais uma vez vemos que na hora de lucrar, poucos são chamados. Mas na hora de dividir prejuízos, aí sim, dizem sem pudor, que cada um de nós, pelo bem da coletividade deve dar seu quinhão, contribuindo para a melhorar o mundo!

Reproduzo aqui um artigo bem escrito e esclarecedor desse discurso que não tardará a aparecer nas mídias convencionais como a salvação da pátria. Veladamente, é claro. Ei-lo:

"De onde sairá o dinheiro para salvar os ricos e os bancos? - 10/10/2008

Uma das questões que mais chama a atenção dos cidadãos comuns é de onde vai sair ou de onde estão a sair as centenas e centenas de milhares de milhões de dólares que os bancos centrais e o tesouro norte-americano estão a pôr à disposição dos bancos.

Juan Torres López, Esquerda.net, 6 de Outubro de 2008

A pergunta é pertinente porque a magnitude do apoio destinado aos já de si mais ricos do mundo realmente surpreende. E surpreende, sobretudo, se comparada com outras necessidades para as quais nunca há dinheiro.

Segundo as Nações Unidas em cada dia que passa morrem de sede cerca de 5.000 crianças. Para dar água potável a todo o planeta seriam necessários 32 mil milhões de dólares (e impedir a avareza criminosa de algumas das grandes multinacionais, claro está).

No mundo existem 925 milhões de pessoas que passam fome e provavelmente outras tantas severamente desnutridas.

Para acabar com este drama a FAO (organização das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação) afirma que seriam necessários 30 mil milhões de dólares. Isto é, para que ninguém no mundo morresse de fome ou de sede, apenas seria necessário mais ou menos 40% do que o Banco Central Europeu injectou nos mercados só no passado dia 29 de Setembro. É natural que os cidadãos se interroguem sobre este asqueroso e imoral contraste. Que perguntem como é possível que a fome e a sede de 1.000 milhões de pessoas não seja considerada uma crise suficientemente séria para que os bancos garantam o financiamento para a resolver. E, como disse no princípio, que perguntem de onde sai tanto dinheiro à disposição dos ricos.

A resposta a esta última questão é clara e para exemplificá-la referir-me-ei ao caso particular dos Estados Unidos. O dinheiro com que Bush pretende fazer frente à crise financeira terá que sair de três fontes. Conhecendo-as poderemos arriscar também sobre o que vai ocorrer no mundo nos próximos tempos. Vejamos.

Em primeiro lugar, os recursos sairão de um maior endividamento externo da economia norte-americana. Para isso terá que conseguir colocar no exterior títulos da dívida, o que entre outras coisas vai mudar irremediavelmente o mapa político e a partilha do poder no mundo. A China, a Índia e outros países irão tornar-se mais fortes, enquanto que a economia dos Estados Unidos continuará a debilitar-se e a tornar-se mais dependente.

Em segundo lugar, os recursos virão da impressão de mais dólares. Isto é algo que já está a suceder, de forma premeditada, ainda que não se fale muito disso. Em Dezembro de 2005, a Reserva Federal (banco central dos EUA) decidiu que a partir de Março de 2006 deixaria de publicar o agregado monetário que os economistas chamam M3 (a quantidade de dólares que circula em forma de notas, moedas e depósitos à ordem). Não é preciso ser um lince para prever o que havia por detrás desta decisão: um crescimento vertiginoso da quantidade dólares m circulação. Estimativas não oficiais apontam que M3 passou do valor de cerca de 7% do PIB dos Estados Unidos em Junho de 2006 para 18% em Fevereiro de 2008 (desde então começou a desmoronar-se até ao nível mais baixo alcançado desde 1959, mas como consequência da retirada de liquidez bancária que produziu a crise). Para que esta fonte de obtenção de recursos seja viável, os Estados Unidos terão de recorrer ao seu poder imperial para colocar no mundo uma moeda cada vez mais depreciada e menos valiosa. A consequência mais que previsível não é muito agradável: aumentará a sua presença militar e tratará de provocar focos de instabilidade que justifiquem a sua presença para garantir assim o seu poder como primeira potência mundial.

Finalmente, os recursos provirão dos próprios cidadãos, directamente na forma de impostos ou indirectamente como renúncia a gastos públicos que representam entradas indirectas (como a saúde ou a educação) ou diferidas (como as pensões).

Atrevo-me assim a prever que dentro de pouco tempo começaremos a ouvir o discurso contrário ao que temos ouvido até aqui. Agora voltarão a dizer que os impostos são bons, que todos devem contribuir para conseguir a estabilidade económica e que todos temos de salvar o homem. Já começaram de facto com a vergonhosa cantilena de que para sair desta crise é preciso moderar os salários.

Destas fontes sairá o dinheiro para que os ricos que provocaram a crise com a sua cobiça vergonhosa saião dela incólumes.

Excepto se nós cidadãos nos opusermos e exigirmos soluções mais justas, que não impliquem semelhantes privilégios, que exijam que os responsáveis respondam pela sua culpa e que se devolvam aos cidadãos os recursos que são deles.

Tradução de Carlos Santos"

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Correndo atrás do vento

"TUDO É BESTEIRA. A revolução, a glória, o governo, a contestação. Olha só na rua- todo mundo andando pra lá e pra cá. Respirando o tempo todo. Pra quê? Pra continuar andando pra lá e pra cá. AbrAÇO. Millôr"

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Entenda a crise e o porquê do buraco ser mais embaixo

08/10/08 12:52 - Por Luís Nassif

"Recapitalização e nacionalização


Essas operações de liquidez, proporcionadas pelos Bancos Centrais, não irão adiantar. A cada dia que passa fica mais claro que se trata de um problema patrimonial: o sistema financeiro mundial quebrou.

As autoridades do FED e dos BCs europeus demoraram para perceber o problema da crise. Quando o incêndio lavrou, pensaram que era um problema de liquidez. Entraram tarde, mas o buraco é mais embaixo.

A questão é que a recapitalização, especialmente dos bancos europeus, envolve quantias tão fabulosas que não haverá condições de meramente trocar dívidas por ações.

Segundo artigo de Martin Wolff, cada um ponto de capitalização dos bancos ingleses equivale a 4 pontos de PIB. 5% de capitalização = 20% do PIB inglês.

A única saída será a nacionalização do sistema bancário e sua posterior devolução para o setor privado.

Na aba de Economia, um artigo do Martin Wolff sobre a recapitalização dos bancos ingleses.


enviada por Luis Nassif"


Enquanto isso no Brasil...

"A especulação brasileira


Clique aqui para ver, em planilha, um desdobramento da operação exposta pelo Valor, mas mostrando as perdas com o câmbio atual.

Como se recorda, são duas operações:

Operação 1 – venda de dólares a termo.

Operação 2 – contrato de venda de opções.

Por esse contrato quem vende se compromete, no dia do vencimento, a entregar os dólares pelo valor combinado; quem compra o contrato, se dispõe a pagar o combinado.

Se o dólar está acima do preço de vencimento da opção, o vendedor se obriga a pagar a diferença. Por exemplo: vendeu US$ 10 milhões a R$ 1,73 o dólar. Se o dólar vai a R$ 2,30, em vez de ir ao mercado, comprar dólar por R$ 2,30 e vender ao comprador pelos R$ 1,73 combinados, a empresa vendedora se limita a pagar a diferença. No exemplo, teria que pagar R$ 5,7 milhões.

Aqui supõe-se que a empresa vendeu US$ 10 milhões de dólares a termo e estava coberta por contratos de exportação.

Nesse caso, seu prejuízo seria o seguinte:

Operação 1 – Vende seus dólares no mercado por R$ 2,30, recebe R$ 23.000.000,00. Depois, é como se usasse esses R$ 23 milhões integralmente para adquirir US$ 10 milhões no mercado e entregar ao banco. O banco paga pelos dólares R$ 17.300.000,00.

Operação 2 – Na segunda operação, conforme já dito, seu prejuízo com o dólar seria de R$ 5,7 milhões.

Então veja só que, nesse caso, o exportador acabou ficando com apenas R$ 11.600.000,00. É como tivesse vendido seus US$ 10 milhões com um dólar a R$ 1,22. Mesmo assim, se antecipou demasiadamente seus contratos de câmbio, terá que entregar ao banco R$ 11,4 milhões (metade referente à operação a termo, metade à opção de venda) sem ainda ter dinheiro em caixa.

Para quem não tinha cambiais, o prejuízo é de R$ 5,7 milhões na veia.

Caso 1 Exportador coberto

Exportou US$ 10.000.000,00
Dólar a R$ 1,73
Recebeu R$ 17.300.000,00
Perdeu com opções R$ -5.100.000,00
Recebeu líquido R$ 12.200.000,00
Como se o US$ da exportação fosse de R$ 1,22

Com o dólar a R$ 2,53 o prejuízo será de R$ 7,3 milhões e o dólar efetivo de exportação R$ 0,99."

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Quando o mar mostra seu fundo


A água do mar escasseia. As ondas somem, parecem mesmo escondidas. Ao redor nota-se grande estranhamento. Seria mau presságio ou mera crendice ceder às loucas tentações que acompanham a insanidade supostamente temporária do mercado? O FMI deu hoje uma declaração que prevê mais dificuldades para os bancos! Parece que a reação na praia, a fuga das ondas de crédito, era o prenúncio da tsunami que ainda está por vir. O que será do porvir, afinal, não se sabe, mas coisa boa não é.

Da BBC Brasil

"FMI: Pior da crise financeira ainda está por vir

FMI prevê mais dificuldades para bancos

Um relatório divulgado nesta terça-feira pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sugere que o pior da atual crise financeira global ainda está por vir.

O documento, intitulado Estabilidade Financeira Global, afirma que o sistema financeiro atravessa o que o FMI classificou como “um período de turbulências sem precedentes” e prevê que bancos em todo mundo continuarão a registrar fortes perdas.

O FMI ressaltou a determinação dos governos em responder aos atuais desafios, mas disse que "a restauração da estabilidade financeira se beneficiaria de um comprometimento coletivo das autoridades, que devem tratar o problema com eficiência".

Para o diretor do fundo, Dominique Strauss-Kahn, "o tempo das soluções à conta gotas chegou ao fim".

"Eu peço aos legisladores que tratem esta crise com medidas abrangentes que restaurem a confiança no setor financeiro. Ao mesmo tempo, os governos nacionais devem coordenar de perto esses esforços para trazer de volta a estabilidade do sistema financeiro internacional."

EUA: Epicentro da crise

Na avaliação do FMI, ficará cada vez mais difícil para as instituições bancárias abastecerem seus caixas com capital proveniente de acionistas ou de fundos de investimentos estatais baseados na Ásia ou no Oriente Médio.

Com a crise do crédito e a confiança em baixa, os bancos enfrentarão dificuldades para captar capital, o que significa que governos terão de se envolver cada vez mais em operações de resgate, como a que salvou os bancos hipotecários americanos Fannie Mae e Freddie Mac.

O relatório do FMI demonstra apoio às linhas gerais do pacote de ajuda econômica de US$ 700 bilhões aprovado pelo Congresso americano na semana passada, mas ressalva que os “detalhes de sua implementação serão cruciais para seu sucesso”.

O estudo diz que os Estados Unidos continuam no "epicentro da crise" e que o declínio contínuo no mercado imobiliário americano e a desaceleração da economia global devem aumentar o número de inadimplências de hipotecas e de outros tipos de empréstimos.

O FMI estima que as perdas nos Estados Unidos originadas de empréstimos e outros produtos financeiros devem chegar a US$ 1,4 trilhão, um aumento significativo em relação aos US$ 945 bilhões estimados no relatório divulgado em abril deste ano.

Para a instituição, os mercados emergentes estão correndo sérios riscos e países do leste europeu também poderão ser seriamente atingidos diante do grande número de empréstimos hipotecários concedidos por bancos a pessoas de baixa renda.

O relatório faz algumas recomendações com objetivo de tentar ajudar as autoridades a resgatar a confiança "nessas circustâncias excepcionais".

Entre elas estão respostas rápidas, por parte dos governos, aos primeiros sinais de perdas no setor financeiro como forma de evitar "repercussões sistêmicas", e a garantia de que intervenções governamentais de emergência sejam temporárias e que os interesses dos contribuintes sejam protegidos."

Entre o silêncio e a culpa

Em história oral, sabe-se que o silêncio muitas vezes ocupa um papel central, pois, frequentemente nessas situações de entrevista, ele é realmente revelador daquilo que não se quer dizer ou expôr explicitamente; dizendo mais, portanto, daquilo que o protagonismo da própria fala tenta encobrir.

Ótima a enquete do Mino! Segue, supra:

"Qual é o país cuja mídia ignora a reportagem publicada por semanário de política, economia e cultura, e não lhe dá seguimento, sobre as mazelas, todas devidamente documentadas, do presidente da Suprema Corte?

A) Serra Leoa

B) Haiti

C) Brasil

D) Coréia do Norte

Em qual outro país o mesmo se daria?

A) França

B) Argentina

C) Estados Unidos

D) África do Sul.

Quais motivos induzem a mídia ao silêncio?

A) Não dar crédito a um concorrente

B) Cumplicidade com o acusado


C) Certeza de que o silêncio se fecha sobre a verdade factual como o mar sobre um barco furado

D) Participação ativa da máfia no poder

Admitem-se respostas positivas a todas as perguntas."

De volta à Olivetti


Boa nova no ar...! Nosso caríssimo Mino Carta volta a nos brindar com o que há de melhor no jornalismo engajado no Brasil. Seu brand new blog voltou à ativa ! [clica agora!]

P.S.: Ele e o Nassif são, a meu ver, os dois grandes pilares jornalísticos no Brasil, resistentes baluartes da honestidade que tanto nos falta neste pobre-país-rico.

Planejamento é tudo!


Andei visitando sites que ensinam ou passam dicas de como administrar melhor o suado dinheirinho do ordenado mensal e encontrei alguns realmente interessantes, como o Mais Dinheiro [além do site do Mauro, cujo link já havia disponibilizado aqui no blog] , que ensina a lidar com cartões de crédito, compras e mesmo poupança. Em tempos de crise mundial é tanto mais útil, se bem que no Brasil a expressão há muito se banalizou visto ter se tornado uma constante em nossa história política e econômica.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Mais uma de nosso "Almighty Godfather"



Mendes critica CartaCapital; Mino Carta rebate - Raphael Prado


"O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, não fará comentários sobre as denúncias de conflito de interesses por participação acionária no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Reportagem da edição desta semana publicada pela revista CartaCapital (CLICA!) relata gastos públicos do Senado, Receita Federal, ministério da Defesa, Controladoria-Geral da União e Aeronáutica no instituto do qual, segundo a publicação, Mendes é sócio.
Ainda de acordo com CartaCapital, o IDP adquiriu um terreno na área central do Plano Piloto de Brasília, com o incentivo do Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável (Pró-DF II) do governo Joaquim Roriz (PMDB) - que oferece benefícios fiscais a setores produtivos, modalidade em que o Instituto não se encaixaria, segundo a publicação. De acordo com a revista, o terreno avaliado em R$ 2,2 milhões foi comprado por R$ 400 mil - portanto com desconto de 80% - em 2004, quando Mendes já presidia o Supremo Tribunal Federal.
Relata ainda a revista um empréstimo de R$ 3 milhões obtido junto ao Banco do Brasil através do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO). O fundo destina grande parte de sua verba a micro, pequenas empresas e produtores rurais. Segundo CartaCapital, "o IDP conseguiu arrancar do fundo, com prazo de pagamento de dez anos, um financiamento de R$ 3 milhões, com base na rubrica 'instalação, ampliação e modernização de estabelecimentos de ensino e de prática de esportes'".
A assessoria de imprensa do presidente do STF informou a Terra Magazine que o ministro não comentaria a reportagem e que não há nenhuma irregularidade na relação de Gilmar Mendes com o IDP. Durante a abertura do 11.º Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, no entanto, o presidente do STF fez uma declaração sobre o assunto ao jornalista Caio D'Arcanchy, da Rádio Justiça. Disse o ministro:
- A CartaCapital tem se dedicado, já eu creio que há 8 semanas, a me criticar de forma sistêmica. Desde que houve, creio, o afastamento do diretor da Abin. Trata-se de um fenômeno notório de pistolagem jornalística. É possível que a revista tenha perdido algum capital.
Procurado por Terra Magazine, o diretor de Redação da revista semanal, Mino Carta, rebateu as críticas do presidente do Supremo:
- O conteúdo da reportagem é indesmentível e indefensável para o senhor Gilmar Mendes. Ele não pode alegar coisíssima alguma em relação ao que ali está descrito. Todas as afirmações que o texto contém estão devidamente comprovadas. E, na qualidade de magistrado, ele deveria saber disso e entender perfeitamente que não se trata de pistolagem. De todo modo, já que o magistrado fala em pistolagem, seria de bom alvitre colocar a questão na justa perspectiva, de claríssima ascendência siciliana.
Diz ainda Mino Carta:
- A característica central dessa singular situação reside na omertà, aquela regra pela qual a máfia atua e o povo fica em silêncio sepulcral. A diferença entre o Brasil de 2008 e a Sicília de séculos e séculos reside no fato de que a mídia nativa não representa o povo brasileiro. A omertà verde-e-amarela é a dos poderosos, todos conluiados para defender interesses que não coincidem em nada com os interesses da Nação.
A Lei Orgânica da Magistratura impede que juízes ocupem cargos executivos em entidades como o IDP, mas não é clara em relação à participação societária. O Instituto, informa a revista, foi contratado por órgãos públicos na modalidade de licitação "inexigível" - quando não há concorrente que ofereça o mesmo serviço."

Entre a cruz e a espada


O mundo corporativo é realmente ultracompetitivo. Já é a segunda vez este ano que anunciam a internação de Steve Jobs, ícone tecnológico. Ambas falsas. Só que desta vez foi a nem-tão-sacrossanta-assim CNN. Mesmo assim, é preocupante, visto que é um canal de tv relativamente respeitado em todo o mundo [... imagino eu o que não fizeram quando o assunto tratado era uma certa guerra num certo deserto, inundado de petróleo]. Jobs vem sofrendo de complicações de saúde em função de um câncer sei-lá-onde que não se dissipou. Por ter - como diriam alguns gurus turbo-capitalismo - um "fantástico espírito empreendedor", sofre com a torcida dos abutres em volta, que identificam o assustador pioneirismo da Apple com o próprio Papa Steve. Nessa mórbida lógica, matando um, quem sabe, a outra caia também.

Ipod e Iphone viraram bíblia! É verdade que poderia ser melhor para nós brasileiros se a direção da Apple não considerasse o Paraguai um mercado melhor [é isso mesmo!] para seus produtos do que o Brasil. É realmente genial: largar um mercado de pelo menos 30 mi, onde apenas o PIB paulista supera o de toda a nação argentina. Talvez eles pensem em termos de contrabando: certos de que seus desejados produtos passariam por ali, apenas se adiantaram...

sábado, 4 de outubro de 2008

"Palma, palma, não priemos cânico!"


Fim do mundo adiado mais uma vez! Aproveitem!!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Mais-que-uma-denúncia




Pessoal, a pedido do Tas repasso a mais-que-denúncia aos olhos de quem se aventura na blogosfera. Sabe, como vocês, estou farto de esperar por um poder público inoperante e corrupto, que limita seus próprios cidadãos o acesso à cidadania real em tantos níveis. O fato é que podemos aproveitar o ano eleitoral e pressionar nossos congressistas a se posicionarem efetivamente contra essa espoliação tremendamente estúpida de nossas riquezas naturais.

A gente acha que o mundo é igualzinho ao Brasil, que há terras sem-fim, água em superabundância, ilhas paradisíacas virgens [ou quase]... Mas o mundão de lá é tão diferente disso! E só nos damos conta do quanto quando viajamos pra fora... Pena que a oportunidade não é dada a todos, senão valorizariam muito mais o próprio país, teriam orgulho genuíno de ser brasileiro. Mas por enquanto, acontece o que vi hoje: pessoas que roubam plantas ornamentais de jardins públicos, colocados pela própria prefeitura!! E a indigna atitude varre o país das camadas mais baixas às mais altas, do pobre ao rico sem qualquer distinção. Nosso problema , como brasileiros, é profundamente moral, como bem se vê? Como podemos execrar nossos representantes se os piores representantes de nós somos nós mesmos??

"De:
Márcio Luis
Suatá - Associação Pró-Ilha de Algodoal / Maiandeua

Para: Blog do Tas


A Área de Proteção Ambiental de Algodoal vive intensa e contínua degradação em todos os sentidos. A situação de abandono da APA choca os mais insensíveis turistas. Em qualquer feriado, tudo se repete: as dunas da Praia da Princesa viram banheiros para uma multidão e lixeira para os comerciantes; a juventude da ilha, desempregada e cada vez mais viciada em pasta de cocaína, pratica furtos e compromete o que sempre foi atrativo na ilha: a tranqüilidade; as ruas da vila de Algodoal ficam imundas; ninguém sabe direito o que é APA e a SEMA faz campanha de educação ambiental pra meia-dúzia dos milhares de visitantes da ilha.

Algodoal apresenta este cenário há anos e, exatamente por isso, em 2005, dezenas de visitantes da ilha resolveram se unir para articular soluções para os gravíssimos problemas que a ilha enfrenta: nasceu a Suatá - Associação Pró-Ilha de Algodoal/Maiandeua.

A ONG elaborou um Plano de Ação baseado nas demandas registradas em diversas reuniões com as comunidades e no livro "Desencanto da Princesa", tese da Doutora Helena Doris. Nenhum órgão público convidado compareceu à apresentação do plano.

A Suatá protocolou inúmeros ofícios junto à Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Pará (SEMA) para alertar os secretários estaduais (o anterior e o atual), que a APA de Algodoal corre sérios riscos de comprometimento do seu meio ambiente, do seu potencial turístico e do futuro de suas crianças, entre outros.

Depois de muita conversa e nenhum resultado, a ONG Suatá conheceu a realidade: os órgãos públicos que têm obrigação de salvar a APA de Algodoal são incapazes de se relacionarem com demandas populares, não estão nem aí para Algodoal e não vão fazer nada. A menos que se entre na justiça...

Por meio de uma Ação Civil Pública, a Justiça Federal concedeu tutela antecipada à Suatá e determinou que a lei fosse cumprida, ou seja, União, Governo Estado do Pará e Prefeitura de Maracanã teriam que fazer seus deveres de casa. O único que cumpre com a determinação é o Governo do Estado, que age com má vontade, cumpre protocolos e não consegue resolver nada.

O Conselho Gestor foi criado em 2006 para cozinhar qualquer desejo de ver a APA implementada de verdade. Os representantes de órgãos públicos que fazem parte do Conselho Gestor não estão preparados para esta função nem têm poder de decisão. Tivemos uma reunião do Conselho Gestor cancelada porque os agentes públicos não tinham dinheiro para o transporte até a ilha.

Os órgãos públicos que fazem parte do conselho ignoram a sua função, tomam decisões isoladas que prejudicam o processo de desenvolvimento da ilha, tal como aconteceu em junho deste ano, quando a Vigilância Sanitária apreendeu, com truculência, segundo comerciantes, poupas de frutas que são produzidas por um nativo de Fortalezinha.

Ora, se a grande questão é o desenvolvimento sustentável da ilha, vamos começar desempregando um morador e dificultando o desenvolvimento econômico local? Por que não houve orientação aos comerciantes e ao produtor, se todos fazem parte do mesmo Conselho Gestor? Com a devida orientação, este empreendedor poderia fornecer poupa de fruta para fora da ilha e garantir o abastecimento interno nas altas temporadas. Mas escolheu-se marginalizar e punir tamanho potencial à revelia do órgão criado pelo mesmo governo para gerir a APA.

Em 2005, conhecemos, na antiga SECTAM, um Plano Emergencial para Algodoal que tinha por objetivo, reduzir os impactos ambientais até que o Plano de Manejo ficasse pronto. O Plano Emergencial é uma solução necessária e recomendada pelo Ministério do Meio Ambiente, mas nunca foi implementado. A SEMA diz que não há necessidade porque o Plano de Manejo está sendo elaborado. Mas no início de agosto tomamos conhecimento que a participação da comunidade no plano está agendada para o final do ano. Por que demora tanto? Então, não seria melhor aplicar o Plano Emergencial? Enquanto ninguém responde, Algodoal está se degradando.

O Pará do Jatene é igual ao Pará da Ana Júlia: condena Algodoal a afundar num mar de lixo. Legalmente, a responsabilidade pelo recolhimento do lixo é da prefeitura de Maracanã, entretando, também de acordo com a lei, o Governo do Estado tem a responsabilidade solidária pelo saneamento da APA, então não vale mais culpar a prefeitura, que já deixou claro que não vai resolver o problema. A SEMA deveria assumir o serviço, mas não o fez. Foi necessário que a justiça nomeasse um auxiliar para chefiar o recolhimento de lixo que poderá vir a acontecer, se, desta vez, a determinação judicial for cumprida.

Os agentes públicos querem convencer as comunidades da ilha que o objetivo da Suatá é inviável e não vai fazer bem a elas, por isso, somente tem chegado à ilha os rigores da lei. A GRPU-PA (Gerência Regional do Partimônio da União no Pará), obrigada a fazer a regularização fundiária na ilha, intimou proprietários de construções nas praias dando-lhes trinta dias para o despejo e informando-lhes que a culpada pelo despejo é a ONG Suatá.

Este não é o papel previsto para a GRPU. A regularização fundiária acontece por meio de metodologias que o gerente Neuton Miranda e seus funcionários conhecem muito bem. As ações da GRPU-PA também devem passar pelo Conselho Gestor, o Ministério do Planejamento, ao qual a GRPU é subordinada, diz que os interesses coletivos devem ser privilegiados na ações da GRPU, mas este órgão sequer se dá ao trabalho de conhecê-los. As comunidades da ilha só têm a ganhar com a regularização fundiária, se esta for bem feita. A GRPU precisa documentar a posse das terras devidamente ocupadas na ilha. Os empresários terão direito a tomar empréstimos para alavancar seus negócios, coisa que hoje não acontece porque banco nenhum quer se responsabilizar por empreendimentos não regularizados.

Estamos cansados de tanto blefe. Depois de tanta luta, a realidade da ilha continua a mesma, aliás, piorou e piora a cada dia. Queremos o envolvimento da Governador Ana Júlia nas questões da APA, queremos a participação do Secretário do Meio Ambiente Valmir Ortega. Queremos a priorização da APA de Algodoal na política pública deste estado, porque implementar a APA de Algodoal é socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente correto."

"A volta de um espectro": Marx e a crise financeira americana

ENTREVISTA: ERIC HOBSBAWM

A crise do capitalismo e a importância atual de Marx

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do “longo século XIX”: “A Era da Revolução: Europa 1789-1848” (1962); “A Era do Capital: 1848-1874” (1975); “A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro “A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.

Entrevistamos o historiador por ocasião da publicação do livro “Karl Marx’s Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later” (Os Manuscritos de Karl Marx. Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política, 150 anos depois).

Nesta conversa, abordamos o renovado interesse que os escritos de Marx vêm despertando nos últimos anos e mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. Nosso colaborador Marcello Musto entrevistou Hobsbawm para Sin Permiso.

Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”.

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa “In Our Time” da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político?

Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da “sociedade burguesa”, cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.

A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.

Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?

Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.

Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente”. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de “O Capital”. Como mostram os “Grundrisse”, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.

Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os “Grundrisse”. Escritos entre 1857 e 1858, os “Grundrisse” são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?

Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no “Capital”, como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).

Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos “Grundrisse”, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os “Grundrisse” “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na “Ideologia Alemã”. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos “Grundrisse” hoje?

Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?

Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.

Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano
Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer