sexta-feira, 15 de junho de 2007

Memórias da Cenimar



O homem do Cenimar - por Mino Carta

Memórias dos tempos idos. Estamos em 1971, dirijo a redação de Veja e Octavio Ribeiro, o Pena Branca por obra da mecha que logo acima da testa sulca-lhe o cabelo preto, recebe de um oficial do Cenimar, no Rio de Janeiro, cópias de cartas manuscritas de Carlos Lamarca à namorada Iara Iavelberg. Lamarca já morreu, fuzilado à sombra de uma das ralas árvores da caatinga, por uma matilha de perseguires comandado por um capitão, Nilton Cerqueira, hoje general. Lamarca vinha de uma fuga de centenas de quilômetros pelo sertão e os tiros o mataram deitado e sem reação. Seu único companheiro de aventura e desgraça, o Zequinha, rememorado também pelos jornais de ontem. Não me permito a análise da personagem Lamarca, incluídos aí seus rompantes e crenças. Resta o fato de que foi assassinado friamente e de que não foi terrorista na acepção correta. De todo modo, Veja publicou as cartas, 36 anos atrás, e estampou uma na capa. Eram textos exaltados, da lavra de alguém disposto inexoravelmente a mergulhar em ilusões. A Veja naquele tempo ia às bancas na segunda-feira e, ao meio-dia, três janizaros à paisana invadiram minha salinha e me carregaram para uma C-14, o veículo preferido pelo Dói-Codi. Primeiro fui conduzido até as dependências da PF do bairro de Higienópolis, onde permaneci por umas duas horas em companhia de meliantes de medíocres calibres. Depois fui transferido para o QG do II Exército, não sem antes ouvir da boca de um censor conhecido nos tempos em que dirigia o Jornal da Tarde, sussurrada a frase no meu ouvido: “Desta vez é grave”. Fiquei em uma cela forrada de aço escovado por mais um punhado de horas, até ser levado à presença de um coronel de aspecto teutônico e de sobrenome Herar. Perguntou: “O senhor sabe porque se encontra aqui?” Respondi ignorar. Disse: “A revista que o senhor dirige publicou material subversivo”. Retruquei: “Fornecido a um repórter da sucursal carioca por um colega seu do Cenimar”. Olhou-me intrigado. Insisti, e sugeri que ligasse para o próprio. Pediu cortesmente licença e retirou-se por um tempo. Voltou e admitiu: “É verdade, o senhor pode retirar-se em liberdade”. Eram nove horas da noite e fui tomar canja no restaurante do Giovanni Bruno. Até hoje me pergunto quais foram as razões do homem do Cenimar ao entregar as cartas ao Pena Branca. De quem me lembro com saudade. Foi-se há muito tempo, era figura excelente e repórter de primeira.

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